Páginas

domingo, 20 de dezembro de 2009

Isso não é uma história de ciúmes




Então o cara olhou pra mim. Depois olhou pra minha mulher. Aí olhou pra mim outra vez. Caramba. Deduziu alguma coisa. Pude sentir o desconforto em seus olhos. Puta merda. Haviam matado Jesus Cristo e engordado Buda; Maomé está esperando a porra da montanha até hoje. O candomblé e a umbanda são coisas do diabo e o mundo ainda continua pensando bobagem. Todos nós não somos unanimidades. Aí ele olhou para minha mulher e ficou se esgueirando pelos corredores do supermercado. Fala sério, pensei, o que esse cara está querendo afinal? Minha mulher não viu nadinha. Pra ela a coisa é mais comum do mundo. Pra mim. . . Bem, às vezes não é. Não insisti no negócio pra não aborrecer a Sara com aquilo. Se o cara continuasse, eu seria agressivo.
Entramos no corredor das bolachas. Ah! Os supermercados são uma merda durante a semana. Aos sábados se tornam um inferno. Tinha tanta gente que dava pra sentir o cheiro delas impregnando o ar. Sara olhava umas bolachas recheadas e vi o sujeito por ali seguindo seus movimentos com os olhos. Embutida num vestido preto, aos trinta e quatro anos, ainda estava numa forma invejável. Saquei o negócio.
Ok.. A gente finge que não vê as coisas. A gente finge que não é conosco. A gente finge que não existe. A gente finge que não incomoda quando não querem sentar do nosso lado no banco do trem, no banco do ônibus ou no banco da praça. A gente finge quando se esforçam pra um aperto de mão. A gente finge até ser o que não é pra ninguém encher o saco. A gente escuta Mozart, Ravel, Beethoven, Dvorák. Agente escuta os Beatles, Led Zeppelin, Radiohead, Pink Floyd e o diabo. A gente vai ao teatro, lê os malditos livros clássicos pra contrair essa bosta de erudição. A gente lê os jornais e revistas de direita. Põe os perfumes mais caros. Tenta ser simpático. A gente tenta pisar em ovos com cuidado pra não quebrá-los. Descola a garota mais bacana do pedaço pra não ficar mal com as pessoas dos narizes tortos e mesmo assim nunca está bom. Caralho! Vai se foder humanidade! Falei pra Sara. Ela pregou aqueles olhos azuis em mim e me beijou gostoso. Continuou seu ritual com as compras. Olhei pra os lados e o sujeito havia desaparecido. Ufa. “Não falei, amor, é coisa da tua cabeça.” Seguimos pros frios. Depois pro caixa.
Eu estava folheando uma revista, quando olhei pro lado e me deparei com o sujeito outra vez. Ai meu Jesus! Jesus! Olhei para Sara. Apontei com a cabeça. “Coisinha da tua cabeça, amor”, eu disse. Ela riu. Não gostei. Não gostei MESMO. Aí começamos a colocar as coisas no caixa para pagar. Então ele olhou pra mim. Depois para minha mulher. Depois para mim de novo. Aí ele veio e eu fui para cima dele. Com uma fúria doentia. Agarrei firme na camisa dele e dei dois socos. Um no rosto. Outro no estomago.Ele caiu. Puta merda. Criei uma confusão dos diabos no mercado. Já imaginava a noticia na primeira página do jornal. Mas continuei firme e forte com o negócio. As pessoas em volta ficaram chocadas e não entendiam porra nenhuma do que tava acontecendo. Sou durão. Bati nele de novo. É sou durão.
“O que é que você quer o cara? Tá seguindo a gente por quê? Você é louco?”
“Desculpa. O senhor não é o F.F.?”, perguntou chorando.
Meu Deus!
“Sou por quê?”
“Fiquei na dúvida, senhor F.. Eu queria um autógrafo seu. Li teu conto “POR QUE OS HOMENS DEIXAM DE AMAR AS MULHERES MARAVILHOSAS”, depois disso sempre que vejo minha mulher sair pelo portão pra ir trabalhar, imploro pra ela voltar.”
Caramba. A gente finge que não é conosco. A gente lê livros importantes. A gente vai ao cinema. Escuta boas músicas. Dá uma esmolinha aos pobres na rua. Vai à igreja. Tem uma mulher bonita. Usa perfume importado e acaba fazendo merda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário